22 de abr. de 2016

Dilma em discurso na ONU cita 'grave momento' vivido pelo Brasil

Dilma discursa na Onu.

Dilma disse que o povo brasileiro saberá lutar pelos seus direitos e conquistas sociais (assista no vídeo abaixo)

Em seu discurso na manhã de hoje (22), em Nova York, a presidenta Dilma Rousseff enfatizou a participação do Brasil no acordo sobre o clima, assinado nesta sexta-feira, e fez menção breve à situação política no Brasil, ao falar sobre o "grave momento" por que passa o país. Sem falar em golpe ou impeachment, ela enfatizou que a sociedade soube "vencer o autoritarismo e construir uma pujante democracia" e que seu povo, "trabalhador e amante da liberdade", saberá evitar qualquer tipo de retrocesso.

População manifesta contra o golpe na av. Paulista dia 21.04

Dilma participa da assinatura do chamado Acordo de Paris, um novo pacto sobre o clima, na sede da Organização das Nações Unidas (ONU). Previsto para entrar em vigor em 2020, o acordo foi aprovado no final do ano passado na capital francesa, durante a 21ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP21). Uma das principais metas é limitar o aumento da temperatura global neste século.

A presidenta Dilma Rousseff não chegará a salvar o mandato, mas recolherá apoio político internacional contra o impeachment e resguardará a herança de seu governo e do próprio ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, avalia o professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC, Giorgio Romano Schutte. "Tudo indica que Dilma vai ser uma carta fora do baralho, mas ela tem direito de defender seu orgulho, e com razão. Foi humilhante demais diante de tudo o que foi construído nos governos Lula e Dilma", afirma o professor, referindo-se à sessão de domingo (17) na Câmara que aprovou a admissibilidade do processo.

Romano acredita que a repercussão internacional negativa da votação, que culminou com uma matéria na CNN questionando as razões do impeachment – afinal, Dilma está sendo submetida a um processo sem ter cometido crime de responsabilidade –, animou a presidenta a rever a decisão inicial de não ir à ONU. "Ela, com certeza, deve ter sido estimulada por essas notícias que saíram no exterior. Qualquer um de fora que assistiu a dez minutos da sessão plenária diz, 'bom, isso não é coisa séria'", afirma o professor sobre a sessão plenária marcada por homenagens e por um espírito conservador que diz muito sobre a falta de legitimidade do parlamento, tomado pelo dinheiro de financiamento empresarial nas eleições de 2014.

Repercussão na mídia internacional calou a mídia brasileira.

"Vários meios de comunicação no mundo estão dizendo que há um golpe em curso no Brasil", destaca o professor. Na segunda-feira (18), os jornais The New York Times e The Guardian publicaram editoriais contra o impeachment. O jornal inglês chegou a classificar a tentativa de impeachment como "uma tragédia e um escândalo".

"Nós que somos contra o golpe temos de abusar da onda favorável na mídia internacional, multiplicar e enfatizar essa informação, mas lá fora isso só produz a imagem de que o Brasil é uma república de bananas. Isso não muda a decisão de as pessoas virem ou não aqui. É a imagem de um país que não é muito sério, mas ninguém vai deixar de ter relações com o Brasil por causa disso", avalia o professor.

Cores exageradas na economia

Ao analisar a conjuntura econômica e política que envolve o andamento do processo de impeachment, o professor da Federal do ABC diz que as cores de crise pelo lado da economia, ao menos, estão um pouco exageradas. O documento Ponte para o Futuro, base de um eventual governo tampão de Michel Temer, afirma que "a presente crise fiscal e, principalmente econômica, com retração do PIB, alta inflação, juros muito elevados, desemprego crescente, paralisação dos investimentos produtivos e a completa ausência de horizontes estão obrigando a sociedade a encarar de frente o seu destino".

Mas nem todo o conteúdo dessa afirmação é verdadeiro. "Temer não vai ter nenhuma mudança nos investimentos produtivos. Eles já estão altos e não vão aumentar. Os fluxos financeiros, por outro lado, vão ficar olhando o que vai acontecer, não está muito claro. É muito mais o público interno (do país) que vai ter ganho de expectativas", afirma o professor. Ele lembra que os investidores financeiros fazem pressão por lucros de curto prazo e na crise ficaram em posição de sair do país. "No saldo, houve uma retração do pessoal que está mais interessado em especulação."


O professor também destaca que os investimentos produtivos mantiveram-se altos de forma surpreendente durante a crise. "Os investimentos externos diretos, que são os das empresas multinacionais, são de médio e longo prazos. Curiosamente, eles não foram afetados e, pelo contrário, atingiram números muito superiores ao que se imaginava. É um fenômeno que a gente observa desde 2012", afirma.

Em 2009, o Brasil teve US$ 25,9 bilhões em investimentos externos diretos. Em 2010, aumentou para US$ 48,5 bilhões. Em 2011, foi a US$ 66,7 bilhões. "Até ai, você teve em 2010 o espetáculo de crescimento, juros baixos, de 7,5%, até ai tudo bem. Agora, o mercado imaginava que o Brasil ia crescer durante o governo Dilma à média de 4%, o que evidentemente não aconteceu. Naquele momento, não só o governo, mas o mercado financeiro também não estava vendo os problemas que começavam a surgir na economia", diz.

Segundo o professor, os 4% em média para o PIB projetavam investimentos em torno de US$ 40 bilhões. Mas o PIB cresceu muito menos, em torno de 2% na média. E os investimentos diretos externos ficaram acima de US$ 60 bilhões. "Isso é muito alto. Para você ter uma ideia, na média, tem só dois países, China e Estados Unidos, com volume paralelo ao do governo Dilma. O Brasil nunca teve tanto investimento externo direto".

Apesar do agravamento da crise, os investimentos se mantêm. Em 2015, foram US$ 63 bilhões. "Isso é uma coisa que precisa ser muito bem estudada", observa Romano. Mas ele também adverte que nem todo o volume contabilizado pelo Banco Central representa investimento de fato. "Tem uma falcatrua ai. Um terço disso é mentira, porque não é investimento produtivo, mas dinheiro que vem travestido de investimento produtivo, são empréstimos entre companhias, mas não para investir em capital e trabalho, e sim em ativos financeiros. No entanto, mesmo tirando esse um terço, sobram mais de US$ 40 bilhões para investimentos concretos. E isso curiosamente continua."


De acordo com o relatório Focus, do Banco Central, as expectativas de mercado para 2016 são de investimentos de US$ 56,7 bilhões. E para 2017, US$ 60 bilhões. "Esse aumento pode ser efeito Temer, e tchau tchau Dilma, mas de qualquer forma é uma coisa que chama a atenção", diz. Para ele, a explicação para a manutenção dos investimentos tem a ver com as grandes dimensões do país em termos econômicos. "O pré-sal não é uma mentira, ele existe em grandes volumes e tem a questão da agricultura, tem a questão do mercado consumidor, um dos maiores do mundo, e essas empresas percebem o potencial, ainda mais quando você tem a quebradeira das construtoras por causa da Lava Jato. Está tudo ruim, mas esses números indicam que o país não está quebrado", afirma, lembrando que em 1991 o investimento no país não chegava a US$ 2 bilhões

Dilma discursa na Onu


A referência ao momento político foi feita no trecho final do pronunciamento, em que Dilma agradeceu também a solidariedade que disse ter recebido de líderes internacionais. Havia expectativa quanto ao teor do discurso, que de antemão era criticado por líderes do movimento pelo impeachment, preocupados com a repercussão internacional de seus atos. A presidenta centrou sua fala no acordo climático e disse ter orgulho da contribuição brasileira nas discussões, elogiando o papel da ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira.

"Demos respostas firmes e decisivas para a construção de um amplo consenso", afirmou Dilma, acrescentando assumir o compromisso de assegurar a participação do Brasil em uma "conquista histórica da sociedade". Assinar o acordo, segundo a presidenta, foi a parte "fácil" do processo. O desafio passa a ser "transformar nossas ambiciosas aspirações em resultados concretos".

Ela citou objetivos como buscar o desmatamento zero da Amazônia e reflorestar áreas de florestas e pastagens, além de defender a ampliação do financiamento para iniciativas de preservação, "para além de US$ 100 bilhões anuais", referindo-se a um fundo global, mantido pelos países desenvolvidos, contra o aquecimento. E lembrou que isso não será alcançado "sem a redução da pobreza e da desigualdade".

"Nosso desafio é restaurar e reflorestar 12 milhões de hectares de florestas e outros 15 milhões de hectares de pastagens degradadas. Promoveremos também a integração de 5 milhões de hectares na relação lavoura-pecuária e florestas", afirmou a presidenta. "Meu governo traçou metas ambiciosas e ousadas porque sabe que os riscos associados aos efeitos negativos recaem fortemente sobre as populações vulneráveis de nosso país. Essa preocupação deve ser compartilhada por todos nós. Sem a redução da pobreza e da desigualdade, não será possível vencer o combate à mudança do clima. E esse combate tampouco pode ser feito à custa dos que menos têm e menos podem."

Assista a fala da Presidenta Dilma na Onu, na cerimônia de assinatura de acordo sobre mudança do clima:

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